terça-feira, 10 de maio de 2016

“Eu não quero ser mãe. O que há de errado nisso?”

      Imagem meramente ilustrativa (Shutterstock)

“Demorei a admitir pra mim mesma: tenho 36 anos e não quero ser mãe. Nunca tive a certeza de tantas amigas que desde a adolescência sonhavam com um bebê nos braços. Claro que eu me sentia estranha, mas imaginava que o desejo da maternidade aparecia no tempo certo – talvez quando eu me casasse. Eu me casei, fomos felizes por alguns anos, até ele me cobrar um filho. Dei todas as desculpas que encontrei porque não sabia se era isso que eu queria pra minha vida. Primeiro disse que a nossa situação financeira não era adequada para bancarmos uma criança. Depois que eu pretendia crescer profissionalmente e não poderia pausar a carreira. Quando entendi que não ia rolar, sofri demais. Eu me sentia culpada. Acabamos nos divorciando. Adoro crianças, sou muito presente na vida dos meus sobrinhos e isso já me preenche. Toda hora as pessoas me perguntam quando virão os filhos porque ‘já tá ficando tarde’. Essa decisão não deveria ser só minha? Por que a vontade de ser mãe não é natural pra mim? O que há de errado nisso?”.
Não há nada de errado com você, querida. O erro está no que a sociedade espera e cobra das mulheres. Assim como nascer com uma vagina não determina que vamos nos identificar com o gênero feminino ou nos sentiremos atraídas por homens, nascer com um útero não significa que desejaremos “naturalmente” a maternidade. Nossos sonhos, convicções, dúvidas, decisões… não são ideias gestadas perto das trompas, mas no nosso cérebro – um órgão imensamente fértil também. Você integra o universo de 14% das brasileiras que não têm planos de engravidar, segundo uma pesquisa do IBGE. Aliás, os arranjos familiares de casais sem filhos (20%) vêm aumentando nas últimas décadas.
Durante séculos, o único valor atribuído à mulher era sua capacidade de reproduzir e cuidar da prole. Não só pra povoar o mundo, obedecendo os desígnios da igreja. Muito menos para “dar sentido à vida” e “deixar um legado”. A coisa era bem mais prática: mais mão de obra para ajudar na subsistência e na renda (entre as famílias pobres), a sorte de ter um filho homem (que receberia dote dos pais da noiva para se casar e aumentaria o patrimônio), repasse de herança e poderes (a exemplo do que rolava na monarquia, em que as crianças recebiam carinho e educação exclusivamente das empregadas). Em várias civilizações e momentos da História, se a esposa fosse infértil, o casamento poderia ser desfeito sem burocracia - “De que vale essa criatura incapaz de dar herdeiros ao seu homem? ”.
Não havia a opção da não-maternidade simplesmente porque não havia outro papel senão o de ser mãe. A Revolução Sexual dos anos 1960, a entrada feminina no mercado de trabalho, a chegada da pílula anticoncepcional… tudo isso deu várias (e inéditas) possibilidades de escolha às mulheres. Elas então podem trabalhar fora, investir nos estudos, ter independência financeira, morar sozinha, não ter um marido, fazer sexo sem engravidar, reivindicar o próprio prazer etc. A loucura é que tantas transformações importantíssimas não conseguiram alterar o que (ainda) se espera da mulher. Tipo “tudo bem você querer fazer isso e aquilo, desde que case e tenha filhos”. Oi? E continuam presenteando meninas com bonecas e casinhas e kits de cozinha.
Uma amiga não quer ser mãe porque se realiza plenamente na carreira, quer viajar o mundo todas as férias e não abre mão dessa liberdade. Outra está tranquila em seu relacionamento, ambos não sentem nenhum vazio existencial, contentam-se em ficar de vez em quando com sobrinhos aos finais de semana e devolvê-los na noite de domingo. A terceira até teve uma vontadezinha, mas não forte o suficiente para encarar uma produção independente, já que não namora nem é casada. A quarta amiga não tem qualquer afinidade ou empatia por crianças, não se vê trocando fraldas e participando ativamente da formação de um ser humano.
“Não sabem o que é essa felicidade transbordante”, “são egoístas”, “ainda vão se arrepender”. Você também já deve ter ouvido algo assim, não, leitora? Acontece que a sua decisão NÃO ESTÁ ABERTA A UMA DISCUSSÃO PÚBLICA. Ser ou não ser mãe é uma decisão individual e intransferível. Felicidade não se compara com uma régua. Ótimo que a sua vizinha “virou uma pessoa muito melhor depois da maternidade”. De verdade. Mas isso não impede que você se torne a cada dia uma pessoa melhor e mais feliz de trocentas outras formas. Que a sociedade pare de perguntar às mulheres sobre seus planos reprodutivos. Já seria um avanço se trocassem o “Quando vêm os filhos?” por “Você pretende ter filhos?”.
*Nathalia Ziemkiewicz, autora desta coluna, é jornalista pós-graduada em educação sexual e idealizadora do blog Pimentaria.   
ED NOTÍCIAS BLOG/FONTE;YAHOO 

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