sexta-feira, 22 de julho de 2016

A “Ginecologista Sincera” das redes sociais

        (Getty Images)

Na consulta ginecológica, a médica pergunta se você tem vida sexualmente ativa e se costuma usar camisinha. Sim, você tem. Não, você não usa. “Odeio aquele plástico” e “é chato parar o sexo pra botar” são as suas justificativas. Agora imagine que, em vez do blablabla polido sobre gravidez não-planejada e doenças sexualmente transmissíveis, a doutora de jaleco te respondesse o seguinte…
“Amor, não tem nada de plástico. Realmente a textura é um pouco diferente do pênis sem nada, PRA MULHER DEVIDAMENTE LUBRIFICADA (coisa que anda rara nos dias de hoje). Eu tenho certeza que se fizessem um experimento com mulheres vendadas, bem lubrificadas, com camisinha com tamanho adequado pro pênis e bem colocada, a maioria ia ter dificuldade de saber se ele estava com ou sem proteção. Agora, é claro, se o apressadinho pular a preliminar e logo meter a camisinha e em seguida já meter em você com medo de broxar, o pau dele vai mesmo cantar pneu na sua vagina. E você transa de roupa mesmo ou primeiro tira a roupa toda e só depois começa a transar? Porque achar de boas tirar o sutiã (tem cada fecho que pelamor) eachar complicado abrir um pacotinho e desenrolar uma camisinha só tem uma explicação: falta de hábito. E hábito, gata, se cria”.
Ou se você contasse que perdeu a virgindade com o namorado sem proteção e, apesar de ele ter dito que não gozou dentro, você sentiu um líquido escorrendo e está com a menstruação atrasada. Daí o conselho fosse assim:
“[…] Então, amiga, ele tá pouco se lascando se você vai acabar grávida, se seu corpo vai mudar, se você vai aguentar os olhares da sociedade, se você vai levar ré nos seus planos. Se ele pagar 250 reais de pensão e postar foto da criança no Face a cada 15 dias, já será considerado um bom pai. Ele também não tá nem aí se vai te passar alguma doença; aliás, da mesma forma que ele não se importa se você tem alguma coisa pra passar pra ele, tenha certeza que ele também não se importou com a outra que comer antes de você, e talvez a outra tenha transado com outros caras como ele antes e é assim que as doenças se espalham por aí. O IMPORTANTE PRA ELE É O QUE O PAU DELE PEDIU, sacou? E se o pau pedir “na pele” ele vai arriscar porque, nessa sociedade machista de merda, ele tem muito pouco a perder. Quem se ferra é você”.
Os trechos acima foram postados na página “Ginecologista Sincera”, com mais de 80 mil seguidores no Facebook. Sob as siglas de JS e TS, duas jovens ginecologistas catarinenses tiram dúvidas sobre sexualidade feminina e aconselham sem pudores desde maio de 2015. O anonimato evita ataques pessoais, além de problemas com colegas de profissão e pacientes. “Não é palanque, não queremos nos promover”, explica JS. “Apenas dizer o que sentimos e democratizar a ginecologia porque muita gente não tem acesso”. Mais que abrir as pernas das mulheres em exames preventivos, essas médicas querem abrir suas cabeças.  
Embora tentem fazer isso no dia a dia do consultório, a sinceridade esbarra em alguns limites. Não dá pra ser muito invasiva ou agressiva (leia-se direta demais) com quem está em busca de acolhimento e mostra, nas atitudes e nas perguntas, uma tremenda falta de esclarecimento. Por exemplo: JS atendeu uma mulher de trinta e poucos anos que havia parido seis meses antes. Estava preocupada com um ~nódulo~ na região genital. A médica examinou e concluiu: “Tá tudo bem com você, não encontrei nada”. Diante da insistência, pediu que a mulher apontasse aonde sentia o tal nódulo. E ela tocou o clitóris. “Minha vontade era me jogar pela janela”, conta JS. “Vou botar uma tela de segurança porque é complicado, viu? ”.
A rotina de TS também é cheia de criaturas que desconhecem “anatomia báááásica” e o próprio corpo. Muito menos o funcionamento do ciclo menstrual, os métodos contraceptivos disponíveis ou como evitar doenças sexualmente transmissíveis. Todos os dias vê “mulheres evitando usar absorvente interno porque não sabem se vão poder urinar” com o troço lá dentro. O xixi sai pela uretra, não pelo canal vaginal. São buracos diferentes, gente. Como ter tempo de explicar o beabá às pacientes quando os convênios pagam em média R$ 28 por consulta? “Falar de sexualidade demora até pela delicadeza que exige”, afirma TS. “Fico triste de perceber como as pessoas não têm educação sexual”.
Se a mulher não tem orgasmos, cinco minutos de conversa não vão resolver o problema.E isso pode ser muito, muito frustrante pra ambas as partes. Vamos combinar que é impossível mandar a mina pra farmácia com uma receita de “dois orgasmos por dia via oral” (com duplo sentido). Nas redes sociais, JS e TS tentam discutir com mais profundidade e alcançar milhares de uma só vez. Esse e muitos outros assuntos. “Os homens acham que, se mulher não precisa ter ereção, está sempre pronta e é só meter”, diz JS. “Como são criados vendo pornô, penetram como se estivessem tentando encontrar o pré-sal. Óbvio que elas vão sentir de dor. Pior que fazem mesmo assim porque acreditam que é seu dever satisfazer o marido”.
A página fez tanto sucesso que, se antes era uma válvula de escape para as angústias das ginecos, virou ainda mais trabalho. É que elas perderam as contas de quantas mensagens chegam por dia – algumas das quais “exigindo” retorno imediato, como fossem remuneradas pela consulta virtual. Desencanaram de atender todas. A rotina das médicas de classe média, casadas e com filhos, se desdobrando em vários empregos simplesmente não permite. Vira e mexe, ficam sem dormir pra responder e editar de madrugada os relatos de abuso sexual que recebem. “Se não faço isso, me sinto virando as costas pra elas, traindo e violentando de novo quem precisa exorcizar seus fantasmas”, diz JS.
*Nathalia Ziemkiewicz, autora desta coluna, é jornalista pós-graduada em educação sexual e idealizadora do blog Pimentaria
ED NOTÍCIAS BLOG/FONTE;YAHOO 

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